(Foto: Divulgação/CearaSC.com)

Hoje, 23 de Maio de 2017, faleceu o maior Capitão que o Ceará Sporting Club já teve, Alexandre Nepomuceno.

O Ceará Sporting Club, por meio de seu presidente, Robinson de Castro, declara luto oficial de três dias pelo falecimento de um dos seus maiores ídolos e também atual conselheiro do Clube, e se solidariza com a dor irreparável de amigos e familiares. Nesse período, a bandeira da agremiação, em Porangabuçu, permanecerá a meio mastro. Será respeitado um minuto de silêncio, no próximo jogo do Ceará, em homenagem póstuma a Alexandre Nepomuceno. 

 O corpo do ex-atleta será velado na Funerária Ethernus (R. Padre Valdivino, 1699. Aldeota), a partir das 14h30 dessa quarta-feira, 24/05. O sepultamento será realizado no Cemitério Parque da Paz (Av. Juscelino Kubtschek, 4454. Passaré), na quinta-feira, às 10 horas. 

Um pouco sobre a biografia do nosso eterno Capitão.
Fidelidade a um único clube é algo cada vez mais raro no futebol, mas não para Alexandre Silvério Nepomuceno, um cearense nascido no município de Aracati, Ceará, no dia 26 de dezembro de 1934. Alexandre passou parte da sua infância na cidade que nascera, mas aos 14 anos, em 1949, passou a viver na capital do estado cearense para aprimorar os estudos.

Ainda em Aracati, gostava de bater bola na rua com os amigos e já tinha o clube de sua preferência, o Ceará Sporting Club, o decano dos clubes cearenses em atividade. O pequeno Alex ouvia grandes histórias de grandes jogadores alvinegros como Sá Filho, Hermenegildo e Mitotônio. Este último o maior jogador da história alvinegra na primeira metade de sua história secular. Todos os alvinegros naquele período tinham imensa admiração pelo ponta-esquerda Mitotônio, e não era diferente com Alexandre. As histórias das conquistas do Ceará chegavam através de testemunhas oculares, rádios e jornais.

Aracati dista cerca de 150 km de Fortaleza, parece muito próximo para os dias atuais, mas ao falarmos da década de 1940, tempos de estradas vicinais, a Capital do Ceará era uma abstração longínqua para os garotos do interior. A oportunidade de viver com suas tias na Capital deixou o garoto Alex extasiado, poderia vivenciar balbucios ainda não vividos.

Já em Fortaleza, Alexandre foi estudar na escola dos padres, Colégio Castelo Branco, localizado na Avenida Dom Manuel, centro da cidade. As pelejas com os amigos em Aracati o deixaram apaixonado pelo esporte bretão. Logo passou a frequentar a recém adquirida sede alvinegra de Carlos de Alencar Pinto, localizada na Avenida João Pessoa, principalmente para acompanhar os treinamentos de seus ídolos. Não haviam muros ou alambrados, o contato com os jogadores profissionais do Ceará era muito próximo. Observar aqueles homens de natureza humilde, trajados de uniformes surrados, porém imponentes, com listras verticais pretas e brancas, calções ora brancos ora pretos e meiões negros, o permitiram sonhar em envergar aquela indumentária de quimeras. Ser um daqueles indivíduos passou a ser seu propósito de vida, o seu objetivo maior.

Alexandre era bem mais alto que a média dos adolescentes da sua idade, atingiria a marca de 1,86m na fase adulta, mas sempre fora muito esbelto, franzino e recebera o apelido de “Filé de Gia” por tais características, para quem não é do Nordeste, gia é uma rã maior que as demais.

Com essa aproximação com o clube, não demorou para receber uma oportunidade nas categorias de base, aos 16 anos, jogando pelo infantil do Vozão. Pelo porte, inteligência e temperamento, em pouco tempo foi colocado para jogar na defesa alvinegra. Com um talento descomunal, logo chamou a atenção do treinador das categorias de base, Ivonísio Mosca de Carvalho, que passou a contar com o vigor de Alexandre para o futuro do time alvinegro. Mas os planos do futuro capitão preto e branco foram cessados por alguns meses, Seu Antônio Silvério, pai de Alexandre, não queria que seu filho fosse jogador de futebol. Se nos dias atuais, ainda vemos algum certo preconceito com a carreira de atleta profissional de futebol, imaginem nos anos de 1940. Mas o talento e o amor pelo esporte falaram mais alto e logo o imberbe garoto estava de volta aos gramados de Porangabuçu, desta ocasião para de uma vez por todas, rumando a imortalidade.

O responsável pela volta de Alexandre para a base do Mais Querido clube cearense foi o então diretor alvinegro Altamir Espindola, que foi até a casa de Alexandre e encheu a cabeça do garoto de sonhos. Foi em uma das visitas de sua mãe, que nosso grande zagueiro abriu o coração para aquela que lhe pôs ao mundo e disse que iria em busca de seu sonho, que era vestir a camiseta alvinegra. Aos prantos, a genitora de Alexandre sentiu que aquele seria o caminho da felicidade do seu amado filho.

Ceará havia jogado um amistoso contra o Fortaleza, seu principal rival, e havia perdido de 5 x 2, no dia 16 de novembro de 1954, a fase do time alvinegro não era das melhores. O então treinador Sá Filho precisava mexer na equipe. Então, depois de passar três anos jogando nas categorias inferiores, Alexandre estrearia pela equipe profissional alvinegra no dia 21 de novembro de 1954, em uma partida do Ceará frente a equipe dos Calouros do Ar. O A peleja era válida pelo Campeonato Cearense do mesmo ano.

Damasceno, um dos grandes defensores da história do Vozão, era o titular absoluto da posição e ídolo máximo do futuro capitão do time alvinegro. Damasceno estava com um problema dentário e não pôde atuar, Alexandre recebeu a difícil tarefa de substitui-lo, para nunca mais sair do time titular da equipe de Porangabuçu. O treinador Sá Filho, outro ídolo de Alexandre na infância, se viu na missão de achar um lugar na equipe para Alex e ao mesmo tempo não poderia abrir mão de Damasceno. A solução foi jogar com os dois; quem perdeu o lugar na equipe titular foi Newton.

A relação de Alexandre com os jogadores do Ceará sempre foi das melhores, antes de se tornar profissional, durante e depois. Ao ser perguntado quem seria o jogador em que ele havia se inspirado, Alex não hesitou em falar de Paulo Matos. Zagueiro, natural do município de Russas/CE e capitão alvinegro no início da década de 1950, campeão cearense invicto em 1951; um atleta de rara técnica e que saiu do Vozão para atuar no futebol do Pernambuco, atuando pelo Náutico e América. Por lá, fez uma história belíssima. A devoção de Alexandre Nepomuceno foi tão profunda pelo Ceará Sporting Club, que seus ídolos dentro de campo sempre foram atletas do clube, nunca jogadores de agremiações do Sul do País.

As três primeiras temporadas de Alexandre como profissional foram de um certo ponto frustrantes, ou seja, sem títulos. O Ceará não conseguiu sagrar-se campeão em 1954, 1955 e 1956. O primeiro título viria apenas em 1957, aos 22 anos. Já maduro e capitão, a primeira conquista parece ter vindo no momento ideal da carreira de Alexandre.

A conquista de 1957 tirou um peso das costas do Capitão, o título não ia para o time alvinegro havia seis duros anos, o triunfo trouxe leveza ao time, que ainda não atingiria seu auge. Veio o ano de 1958, e o Ceará contrataria aquele que seria o melhor amigo de Alexandre Nepomuceno dentro do mundo do futebol, o lateral direito William Pontes. Juntos, o Ceará viveu seu "época de ouro”, e muitos títulos viriam. O resultado não foi outro, Vovô bicampeão.

O ano de 1959 foi marcante para a vida de Alexandre, experiências jamais esquecidas e que agora estão eternizadas. País de dimensões continentais, o Brasil era uma nação muito mais longínqua na década de 1950, poucas estradas asfaltadas, comunicação extremamente dificultosa e lentidão entre cidades e estados. Fatores estes que nos fazem imaginar o quão valorizado era a vinda de um time do eixo Rio-São Paulo para jogar em terras de José de Alencar.

Em uma de suas excursões, o Santos Futebol Clube, time do já campeão mundial Pelé, veio jogar um amistoso contra o Fortaleza Esporte Clube no dia 18 de julho de 1959. Como era de praxe na época, amistosos contra times importantes, os três maiores clubes do Estado – Ceará, Fortaleza e Ferroviário – uniam as forças para tentar derrotar o opulento oponente, era uma espécie de Seleção Cearense. Como Alexandre já era o melhor zagueiro que este estado já produzira até então, foi reforçar o time tricolor no embate contra o time do Rei do futebol.

O Santos Futebol Clube acabara de retornar ao país de uma excursão a Europa, onde menos de um mês antes da peleja frente ao Combinado Cearense, o time santista vencera o Barcelona em pleno Camp Nou por nada menos que 5 x 1 e três dias antes também vencera a poderosíssima Internazionale de Milão por 7 x 1, em Valência. O amistoso contra o selecionado cearense trajado de Fortaleza Esporte Clube terminou 2 x 2. Alexandre, que foi o responsável por marcar Pelé, teve uma das melhores atuações que um zagueiro poderia ter dentro das quatro linhas. Empatar com aquelas lendas vivas, envergados de branco, havia sido uma situação fora de cogitação. Pelé estava no auge de sua carreira. Ressalto que no dia 02 de agosto – apenas 15 dias depois do amistoso na capital cearense – o Santos enfrentou o Juventus paulistano na rua Javarí, e foi neste dia que Pelé marcou o gol mais bonito de sua carreira, tento este, que foi dito, visto e falado por tantas vezes.

A atuação de Alexandre nesta partida não passou despercebida, a diretoria santista não demorou e mandou uma proposta irrecusável ao Ceará para a contratação de seu capitão. Mesmo sendo valores longe da atual realidade, era muito dinheiro para um jogador que atuava no futebol cearense. Mais do que os vinténs que recebia de salário todos os meses, era a oportunidade de ir para um dos melhores time do mundo, para jogar ao lado do melhor jogador da história do futebol. Logo a notícia se espalhou, os torcedores alvinegros ficaram temorosos em perder seu capitão, invadiram a sede de Carlos de Alencar Pinto e, em meio a gritos, pediam a permanência de Alexandre.

O time estava no meio da disputa pelo tricampeonato cearense em 1959, e em uma atitude que apenas os devotos alvinegros entenderiam, Alexandre recusa a proposta e fica no clube que lhe revelou. O fato mais marcante de toda essa história é que, com a recusa do defensor cearense, o Santos contratou o zagueiro do São Paulo, Mauro Ramos de Oliveira (homem de quatro Copas do Mundo; 1950, 1954, 1958 e 1962), que viria a ser o capitão da Seleção Brasileira campeã mundial no Chile, em 1962. Ou seja, Alexandre era a primeira opção.

Mas todo esse sacrifício em um momento pareceu em vão, o Ceará vinha forte na disputa pelo tricampeonato de 1959, vencera o primeiro turno de forma invicta. O segundo turno foi vencido pelo Fortaleza. Caso um terceiro time vencesse o terceiro e último turno, haveria um triangular decisivo entre os vencedores de cada turno. Por outro lado, caso Ceará ou Fortaleza vencesse o turno derradeiro, o vencedor jogaria por resultados iguais na grande final.

Uma série de eventos estranhos começou a pairar o certame cearense de 1959. Ainda no terceiro turno, Ceará e Fortaleza terminaram empatados em número de pontos, onde fora necessário uma partida extra entre as equipes para decidir o campeão do último turno. Fortaleza acabou vencedor pelo placar mínimo e foi para grande final em vantagem. Mas o mal-estar causado no elenco alvinegro não foi a derrota no jogo desempate, mas sim a maneira que o time tricolor conseguiu a igualdade de pontos na tabela classificatória. No dia 19 de setembro, o Fortaleza empatou sem gols com o Nacional, mas segundo a diretoria tricolor, havia uma irregularidade no time adversário e o time tricolor conquistou os pontos da partida na justiça, algo pouco usual para a época.

Outro fato que marcou para sempre a vida de Alexandre foi a maneira que o campeonato de 1959 foi decidido. Segundo o próprio jogador, havia um jogador vendido no grupo alvinegro. Alexandre já revelou o nome do atacante um par de vezes, uma história plenamente conhecida na cena futebolística cearense. Mas Alexandre, já octogenário, não mede palavras para falar do jogador – que atuava na linha de frente – e dizia que era nítido o pouco caso do atleta com a vitória nas partidas decisivas. Pouco depois da conquista do título pelo Fortaleza, um diretor tricolor teria dito para o próprio Alexandre que havia trocado o campeonato por um pequeno mercado no subúrbio da capital cearense. Alex abrira mão de muita coisa para permanecer no clube alvinegro, para o sonho do tricampeonato acabar desta maneira.

A maneira traumática que o Ceará perdeu o certame de 1959 fez a diretoria tomar uma atitude drástica e mandar muita gente embora, um novo time não foi montado à altura dos anos anteriores. A consequência disso foi uma péssima campanha nos dois primeiros turnos no cearense de 1960, terminando em sexto lugar em ambos. No terceiro turno o Ceará ainda reagiu, mas não teve forças para vencer, terminou na segunda colocação. Esse período foi uma época de muita reflexão para Alex, apaixonado pelo Ceará Sporting Club, enfrentou de cabeça erguida a injustiça que é comum da sociedade. Em momento algum pensou em abandonar o clube. Sem ele, não teria sido possível montar o esquadrão tricampeão em 1961, 1962 e 1963. O ano de 1959 foi determinante na formação do homem, do pai e do líder Alexandre Nepomuceno.

Os campeonato de 1962 e 1963 foram marcantes, pois Alexandre em vários momento atuava com zagueiro, capitão e treinador ao mesmo tempo. Sendo ele o treinador campeão nestes dois anos, lançando até garotos da base em partidas decisivas.

Foi em 1964 que o eterno Capitão alvinegro encerrou sua carreira, antes mesmo de completar 30 anos, mas um terço destes entregue ao Vovô. Alexandre encerrou a carreira por cima, como tantos ídolos almejavam. O Ceará fez uma campanha histórica na Taça Brasil de 1964, terminando a competição na terceira posição, foi parado apenas pelo Flamengo no Maracanã. Após a eliminação no Rio de Janeiro, decidiu parar de brilhar nos campos, para entrar de vez na História.

Após a aposentadoria, trabalhou como representante comercial, dono de uma ótica e algumas vezes como treinador. Comandou e equipe do Ferroviário Atlético Clube campeão cearense em 1970, a final deste justamente contra o Ceará. Alexandre confessou inúmeras vezes que o sentimento naquela partida foi estranho, feliz com a conquista do título, mas triste por ver do outro lado o time que fazia parte de si. Na festa da vitória do título, sentiu-se deslocado e foi para casa antes do término das comemorações.

Alexandre chegou a acertar para dirigir a equipe do Fortaleza no ano de 1972, recebeu pagamento do ano inteiro antecipado, em um saco com dinheiro vivo. Era dinheiro suficiente para comprar uma casa à vista. Após receber o dinheiro, não conseguiu dormir direito e passou a noite em claro. Logo pela manhã, foi a casa do presidente tricolor e devolveu aquele saco. Dinheiro nenhum no mundo traria a paz ao maior zagueiro da história do Ceará Sporting Club, terceiro jogador que mais vestiu a camisa do clube e homem que vestiu uma só camisa durante a toda a carreira profissional.

Alexandre Silvério Nepomuceno
26/12/1934
23/05/2017